Redação
Desde domingo (3), o megavazamento de dados financeiros de líderes mundiais, políticos, celebridades e funcionários públicos com empresas em paraísos fiscais tem provocado escândalos em diversos países. Entre os brasileiros citados no chamado “Pandora Papers” estão o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O Brasil é o quinto país com o maior número de pessoas na lista.
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Organizado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), o “Pandora Papers” reúne 11,9 milhões de documentos confidenciais de 14 escritórios de advocacia especializados na abertura de empresas em paraísos fiscais como Panamá, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas. A apuração desenvolvida por 600 jornalistas de diferentes países identificou 956 empresas offshore* ligadas a 336 políticos e funcionários públicos de alto nível de 90 países.
Cinco anos após o chamado Panamá Papers, que expôs informações de mais de 214 mil empresas de paraísos fiscais offshore, o novo vazamento busca informar quem são os empresários ricos, em especial os que possuem cargos públicos, que mantêm riquezas em países cujo monitoramento financeiro é considerado fraco. Do Brasil, participaram do processo de investigação a revista Piauí, a Agência Pública e os portais Metrópoles e Poder 360.
Brasil
Ao lado de 66 dos maiores devedores brasileiros de impostos e de empresários investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por disseminação de notícias falsas, o ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, são identificados no levantamento como sócios de offshores localizadas em paraísos fiscais.
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De acordo com as informações vazadas, as empresas de Guedes e de Campos Neto estão sediadas nas Ilhas Virgens Britânica, local internacionalmente conhecido por não cobrar impostos de offshores. Segundo o portal Poder 360, o nome de Guedes aparece ligado à empresa “Dreadnoughts International Group Limited” enquanto o de Campos Neto às offshores “Cor Assets S/A” e “ROCN Limited”.
No caso de Guedes, a offshore se encontra em pleno funcionamento, mesmo após a posse do economista como ministro. Já no caso de Campos Neto, ambas as empresas foram encerradas. A “Cor Assets” em agosto de 2020 e a “ROCN” ainda em 2016. Em 2019, para assumir o cargo de presidente do BC, Campos Neto assinou um documento público endereçado ao Senado em que admitia manter outras offshores, mas declarava que não mais faria investimentos e depósitos nessas empresas.
Em notas oficiais, tanto Campos Neto como Guedes informaram que as respectivas empresas foram declaradas à Receita Federal. Contudo, segundo reportagem do Poder 360, além de seguir com a offshore aberta, o ministro da Economia “não respondeu de maneira direta se fez alguma movimentação, e, se fez, qual foi a natureza dessas operações.”
Interesses
No Brasil, assim como em outros países, não é crime ter uma offshore desde que ela seja declarada à Receita Federal e ao Banco Central e o dinheiro tenha origem lícita. Todavia, existem regras para que proprietários ou sócios de offshores que possuem cargo público sejam impedidos de se autofavorecer pela posição que ocupam. De acordo com o Código de Conduta da Alta Administração Federal, por exemplo, as autoridades públicas não podem manter investimentos no Brasil ou no exterior que possam ser afetados por decisões que elas venham a tomar em seus cargos.
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Em julho de 2020, Guedes e Campos Neto, ambos integrantes do Conselho Monetário Nacional (MCN), órgão responsável pela regulação de temas relacionados a ativos mantidos no exterior, aprovaram duas resoluções que mudaram as regras da declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). Até então, deviam ser declaradas todas as empresas com receitas acima de $100 mil. A partir da publicação das resoluções (CMN 4.841 e CMN 4.844), o valor mínimo passou a ser de um milhão de dólares. Além disso, as decisões também determinam que brasileiros com até R$ 100 mil em contas no exterior não têm obrigação de declarar as respectivas receitas ao Banco Central.
Além de Guedes e Campos Neto, outros 66 empresários brasileiros aparecem na lista do “Pandora Papers”. Todos estes com os nomes inscritos na Dívida Ativa da União. Somadas as dívidas, o débito total dos empresários com o Estado chega a R$ 16,6 bilhões.
América Latina
Dos 35 líderes mundiais expostos pelo “Pandora Papers”, 14 são latinoamericanos. Entre eles estão os atuais presidentes Sebastián Piñera, do Chile, Guillermo Lasso, do Equador, e Luis Abinader, da República Dominicana.
Os demais citados são ex-presidentes, como os colombianos César Gaviria e Andrés Pastrana, o peruano Pedro Pablo Kuczynski, o hondurenho Porfirio Lobo, o paraguaio Horacio Cartes e os panamenhos Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares.
Após a divulgação do vazamento, todos eles negaram qualquer atividade ilícita e informaram ter as contas e ativos no exterior declarados em seus países.
De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), a América Latina perde anualmente mais de $300 bilhões em sonegação de impostos.
* Offshore pode ser interpretado como ‘além da costa’. De modo geral, considera-se como offshores as empresas abertas em outros países, em especial os conhecidos como paraísos fiscais. Nestes países costumam ser aceitos recursos sem origem comprovada e neles é garantido o sigilo bancário, o que, segundo economistas, facilita práticas como a lavagem de dinheiro e sonegação de impostos.
Edição: Jaqueline Deister