Desde outubro, quem visita a exposição “Crônicas Cariocas” no Museu de Arte do Rio de Janeiro (MAR) tem a oportunidade de conhecer parte da história do programa “Hora da Escola”, uma parceria entre a Escola Municipal Irmã Zélia, localizada em Madureira, zona norte do Rio, e a Rádio Bicuda FM, emissora afiliada à Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil).
Criado em maio deste ano, o programa é uma das iniciativas registradas pelo documentário “Territórios Sintonizados”, que apresenta distintas expressões das rádios comunitárias do Rio, mostrando suas histórias, memórias, enfrentamentos e superações. Além da Rádio Bicuda FM, o filme também conta com as participações da Grande Tijuca FM, Resistência FM e Pop Goiaba FM e foi coordenado pelo professor Adilson Cabral, do Curso de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Hora da Escola
De acordo com Margarete de Sousa, apresentadora do “Hora da Escola” e diretora da E.M. Irmã Zélia, a proposta do programa surgiu devido a suspensão das aulas presenciais por conta da pandemia de Covid-19. Segundo ela, a relação entre a escola e a rádio já existia desde antes da pandemia, porém se limitava à divulgação de informes e chamadas para as famílias de estudantes.
A diretora conta que a necessidade de garantir o acesso dos cerca de 700 alunos aos conteúdos pedagógicos somada à constatação da exclusão digital de boa parte das famílias foi decisiva para por o projeto em prática.
“A minha relação com a Rádio Bicuda vem desde 2018. Existia um ‘namoro’ da rádio com a escola. Mas agora, durante a pandemia, era necessário a gente manter contato com nossos alunos, principalmente os excluídos digitais. A gente sabe que nem todos têm acesso à internet e mesmo a casa que tem acesso, às vezes tem apenas uma ferramenta para quatro ou cinco crianças. Já o rádio não, o rádio é universal”, explicou Margarete à Pulsar.
Planejado para ir ao ar apenas uma vez por semana, o sucesso da “Hora da Escola” fez com que o programa crescesse e passasse a ocupar parte da programação diária da Bicuda FM, com edições ao vivo de segunda à sexta-feira, das 8h às 9h. Segundo Margarete, o que surgiu como uma mera ferramenta para reproduzir os conteúdos da apostila do Rioeduca (aplicativo oficial da Secretaria Municipal de Educação do Rio), com a volta das aulas presenciais acabou se transformando em um espaço de debate sobre educação, infância, adolescência, cultura e comportamento.
“Casamento”
Ainda de acordo com diretora, o “casamento” entre a escola e a rádio tem sido fundamental para romper com o imaginário de que o ambiente de ensino estaria à parte do mundo e à parte da vida das crianças.
“A rádio é o quintal da nossa escola. Ela fica literalmente em frente a nossa escola. E por ser um meio comunitário, ela agrega todas as sete comunidades com as quais a gente trabalha. Então, se eu não consigo ir dentro da comunidade pegar meu aluno para trazer para escola, se ele estuda de tarde mas precisa de um reforço e não tem como vir à escola, a rádio está entrando na casa dele”, comenta a professora de história, e acrescenta:
“A gente precisa mostrar que a escola faz parte do dia a dia dos alunos. Que o que a gente trabalha na escola é o que se trabalha na vida delas. Eu falo muito no programa que a escola é o investimento de uma sociedade numa geração futura que será parte dessa mesma sociedade”, afirma.
Rádio Comunitária
Para o presidente da Rádio Bicuda FM, Evandro Gomes, a “Hora da Escola” além de ser um “programa de excelência” é, hoje, o “carro-chefe da programação diária da rádio”. Segundo ele, com menos de um ano no ar, o programa já é motivo de orgulho para a emissora: “A escola ganhou, a população ganhou e a Rádio Bicuda FM ganhou também. Isso é muito importante!”
O radialista também destaca que experiências como o programa reforçam ainda mais o caráter comunitário e de cidadania da rádio que conta com 25 anos de atuação na região e 10 deles já com a outorga de rádio comunitária.
“Isso é bom porque ainda hoje nós encontramos pessoas que não valorizam a rádio comunitária. Elas veem a rádio comunitária como rádio pirata. As rádios comunitárias, principalmente as outorgadas, como é o caso da Bicuda, pelo serviço que prestam à sociedade não podem mais ser vistas como rádio pequenas ou de pouca importância”, protestou à Pulsar.
Ainda sobre o trabalho desenvolvido pela Bicuda no subúrbio do Rio, Evandro lembra de pelo menos seis profissionais que foram formados pela emissora e hoje atuam em veículos comerciais de comunicação da capital. Segundo ele, hoje, a própria Margarete não só apresenta a “Hora da Escola”, como produz o programa e opera a mesa de som da rádio.
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De acordo com Gomes, a relação entre escola, rádio e comunidade tem se afinado tanto que atualmente além da “Hora da Escola” a emissora conta também com o programa “Sala dos Professores”, em que profissionais da educação são convidados a discutir temas ligados à pratica do ensino, e programa musicais de MPB e rock produzidos e apresentados por professores da E.M. Irmã Zélia.
Projetos
Segundo Margarete Sousa, a parceria entre a escola e rádio segue firme para 2022. A diretora adianta que para o próximo ano, além de “dar uma repaginada” no programa, pretende “trazer a rádio para dentro da escola”.
“Nós já temos um aluno aprendendo e pretendemos multiplicar esse conhecimento com os colegas para que o ambiente de rádio não seja aquela coisa tão distante deles e eles saibam que qualquer um deles pode se tornar um profissional da área. Essa geração tem acesso à informação com muito mais facilidade que muitos adultos, eles têm muito para falar pra gente”, defendeu a professora à Pulsar.
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Além das edições diárias de 8h às 9h na Rádio Bicuda FM 98.7, as gravações do programa “Hora da Escola” ficam disponíveis no canal da Bicuda FM no Youtube.
Edição: Jaqueline Deister
1 comentário
Super legal isso aí. As Rádios Comunitária precisam ser vistas com mais seriedade. Elas fazem seu papel com brandura e responsabilidade.