Redação
Sete sites educacionais direcionados a estudantes de São Paulo e Minas Gerais coletaram dados pessoais de crianças e adolescentes e os repassaram a empresas de publicidade. A denúncia foi feita nesta segunda-feira (3) pela Human Rights Watch (HWR), organização internacional que investiga casos de violações de direitos humanos.
Segundo a organização, as informações foram apuradas em novembro de 2022 e revisadas em janeiro de 2023. A HRW explica que as plataformas foram contratadas pelos governos estaduais para dar apoio aos estudantes durante a pandemia de covid-19 e permanecem em uso até hoje.
Os sites são: Estude em Casa, Centro de Mídias da Educação de São Paulo, Descomplica, Escola Mais, Explicaê, MangaHigh e Stoodi.
De acordo com a denúncia, as plataformas não apenas monitoraram os estudantes dentro das salas de aula virtuais, como também os acompanharam – através de tecnologias de rastreamento – enquanto navegavam pela Internet fora do horário de aula. A investigação aponta, inclusive, que cinco delas aplicaram técnicas de rastreamento “particularmente intrusivas”, vigiando os estudantes “de forma invisível e de maneiras impossíveis de se evitar ou se proteger”.
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A HWR detalha que um dos sites chegou a aplicar uma técnica que permitia que terceiros assistissem e registrassem o comportamento dos estudantes na web, acompanhando até mesmo cliques de mouse e movimentos em sites. Segundo a HWR, os dados coletados pelas plataformas foram remetidos a empresas especializadas em publicidade comportamental e permitem tanto identificar “padrões de usuário” (preferências, personalidades, comportamentos) como elaborar estratégias de direcionamento de conteúdo personalizado para crianças e adolescentes.
De acordo com a organização, tais práticas “violam de forma inadmissível” a privacidade dos estudantes “pois não são ações proporcionais ou necessárias para que esses sites funcionem ou forneçam conteúdo educacional”.
“Estas ações também podem violar outros direitos de crianças e adolescentes se essas informações forem usadas para orientá-las em direção a consequências prejudiciais ou contrárias aos seus interesses. Essas práticas também desempenham um papel significativo na formação das experiências online de crianças e adolescentes e na determinação das informações que eles acessam, em um momento de suas vidas em que suas opiniões e crenças correm alto risco de interferência manipuladora”, acrescenta.
A HWR ainda chama atenção para o fato de que os estudantes não tinham como se opor à vigilância das plataformas porque elas foram adotadas justamente durante o fechamento das escolas devido à pandemia da Covid-19.
“Como esses sites foram temporariamente oferecidos gratuitamente e amplamente divulgados às escolas pelo governo, muitas adotaram seu uso. Era impossível para muitas crianças optarem pelo não rastreamento sem abrir mão do aprendizado formal como um todo”, pontua.
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Proteção
Além de estar previsto no artigo 5º da Constituição Federal – que aborda os chamados “direitos fundamentais” – o direito à privacidade também consta na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, acordo internacional ratificado pelo Brasil.
Na opinião da Human Rights Watch a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) deveria não só impedir os ataques à privacidade de crianças e adolescentes como também exigir que as empresas e governos excluam os dados dos estudantes afetados e impedir que continuem usando tais informações para fins não relacionados à oferta de educação.
“Os legisladores deveriam promover adequações na lei para estabelecer regras abrangentes de proteção de dados infantis, incluindo a proibição de publicidade comportamental e o uso de técnicas de rastreamento intrusivas para crianças e adolescentes. Essas regras também deveriam exigir que todos os atores que ofereçam serviços online para crianças e adolescentes – incluindo aprendizado virtual – forneçam os mais altos níveis de proteção de dados e de privacidade às crianças e adolescentes”, afirma a organização.
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Respostas
De acordo com a HWR, os resultados e evidências técnicas da investigação foram compartilhados com as empresas e as secretarias de educação dos governos de São Paulo e Minas Gerais.
Segundo a organização, após a comunicação, a Secretaria de Educação de Minas Gerais removeu todo o rastreamento de anúncios do Estude em Casa em 24 de março de 2023. Já o governo de São Paulo não respondeu aos quatro pedidos de esclarecimento enviados e tampouco respondeu à oferta de discutir as descobertas antes da publicação da denúncia.
Ainda conforme a HWR, a Descomplica, a Escola Mais, Explicaê e Revisa Enem não responderam aos pedidos de esclarecimento da organização.
A Stoodi, por sua vez, reconheceu as conclusões da ONG, mas alegou que: suas práticas de dados eram para “melhorar a experiência do usuário”; que seus usuários tinham 16 anos ou mais; que não vendia dados pessoais a terceiros; e que não mantinha contrato ativo com instituição pública de ensino desde 2021.
Quando contatada em dezembro de 2022, a empresa britânica Blue Duck Education Limited – responsável pela criação do MangaHigh – solicitou detalhes da nova análise técnica, porém não respondeu a HWR após o envio das evidências e resultados.
*Com informações da Human Rights Watch