Na próxima semana, nos dias 15 e 16 de agosto, mais de 100 mil mulheres se reunirão em Brasília (DF) para a sétima edição da Marcha das Margaridas. Realizado a cada quatro anos, o evento tem como objetivos celebrar a memória e o legado da agricultora e líder sindical paraibana, Margarida Maria Alves, e reafirmar o protagonismo das mulheres do campo e da cidade na luta por direitos fundamentais como saúde, educação, terra, trabalho, segurança e participação política.
Em 2023, a manifestação será promovida sob o lema “Margaridas em Marcha pela Reconstrução do Brasil e pelo Bem Viver”. Segundo as organizadoras, a devastação da natureza e o “sacrifício da soberania nacional e popular” ao longo dos últimos anos colocaram para toda a população brasileira – e para as mulheres, em especial – o desafio de pensar o país que queremos para o futuro.
Ao apontar o “Bem Viver” como meta de uma política de reconstrução nacional, as Margaridas defendem, por exemplo, a possibilidade de: estabelecer uma relação de não-exploração com a natureza; usufruir do direito de viver em suas terras e territórios; mudar os moldes de produção e consumo, e propor novas formas de produção de alimentos, de modo a fortalecer a soberania e segurança alimentar e nutricional.
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Na visão das Margaridas, também fazem parte do Bem Viver a participação plena na política e nos espaços de decisões, o estabelecimento de limites para a concentração de riqueza, levando a uma convivência livre de desigualdades, pobreza, fome, racismo e violência, e o cultivo de relações em que o cuidado e os afetos sejam resguardados por todas e todos.
Em entrevista à Pulsar, a diretora de mulheres da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado Pernambuco (Fetape) e integrante da Coordenação Ampliada da Marcha, Adriana do Nascimento, explicou que a mobilização deste ano tem sido estruturada a partir de 13 eixos políticos que incluem desde a defesa do “poder e participação política das mulheres” até o acesso a “saúde, previdência e assistência social pública, universal e solidária”.
“A Marcha das Margaridas não é só o ato em Brasília. Ela envolve todo esse processo de quatro anos de construção política nas bases, nos territórios, nas comunidades rurais e urbanas. Esses 13 eixos que direcionam a Marcha das Margaridas 2023 transformam não só a nossa vida, de nós mulheres que estamos no campo, mas podem constituir uma sociedade muito melhor”, pontuou.
Quais as pautas?
No topo da lista dos eixos políticos da Marcha das Margaridas 2023 estão: democracia participativa e soberania popular; poder e participação política das mulheres; autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética; democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios; e vida saudável com agroecologia e segurança alimentar e nutricional.
Em seguida aparecem o direito de acesso e uso da biodiversidade, defesa dos bens comuns e proteção da natureza com justiça ambiental e climática; autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda; educação pública não sexista e antirracista e direito à educação do e no campo; e saúde, previdência e assistência social pública, universal e solidária. A lista é encerrada pela universalização do acesso à internet e inclusão digital; vida livre de todas as formas de violência, sem racismo e sem sexismo e autonomia e liberdade das mulheres sobre o seu corpo e a sua sexualidade.
De acordo com Adriana, a construção dos eixos políticos da Marcha parte de um processo de escuta “coletiva, participativa e articulada” por mulheres de organizações do campo, da cidade e até mesmo de outros países. Segundo a sindicalista, “a Marcha tem assumido uma dimensão internacional” e, nesse ano, contará com representantes de aproximadamente 30 países.
Questionada sobre quais seriam os eixos fundamentais para o processo de reconstrução do Brasil, Adriana reconhece que todos os 13 elencados pela organização da Marcha são importantes, mas destaca a centralidade da produção agroecológica, da defesa dos bens comuns e da natureza e a da luta por autonomia econômica das mulheres.
“Estamos aqui dialogando sobre um campo que está envenenado e adoecido. Então devemos cada vez mais pautar a agroecologia, olhando para esse lugar da soberania e segurança alimentar e nutricional do nosso país. Queremos um campo produzindo, mas não produzindo de qualquer forma. Queremos o campo produzindo alimentos saudáveis, gerando saúde para nossa sociedade”, disse à Pulsar.
“É preciso tratar também da necessidade urgente da retomada das políticas públicas de inclusão produtiva das mulheres para chegar, de fato, nesse lugar da autonomia econômica e da geração de renda. E, obviamente, uma pauta que está presente desde a primeira marcha, é o enfrentamento a todas as formas de violência que, nós, mulheres sofremos em vários ambientes e espaços, sejam públicos ou privados. Nós precisamos cada vez mais combater essas violências, combater o racismo e combater o sexismo”, acrescentou a sindicalista.
Conquistas
Ao longo dos mais de 20 anos de organização da Marcha, as Margaridas não só protagonizaram manifestações históricas como também tem acumulado uma série de conquistas sociais, comprovando a força da luta das mulheres brasileiras e, especialmente, das trabalhadoras rurais.
Em relação, por exemplo, às questões que envolvem documentação, acesso à terra, produção e agroecologia, a mobilização das Margaridas foi fundamental para a criação, em 2004, do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural. O mesmo pode-se dizer da criação do Programa de Apoio à Organização Produtiva de Mulheres Rurais, em 2008.
A incidência política das Margaridas também foi decisiva para a organização da Campanha Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta e a criação do Fórum Nacional Permanente de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta. Ainda se destacam entre as conquistas das Margaridas a reestruturação do Grupo Terra, responsável pela construção da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta e a Criação da Coordenadoria de Educação do Campo no Ministério da Educação (MEC).
Segundo Adriana do Nascimento, é imbuída deste espírito de luta e conquistas que a Marcha das Margaridas 2023 tem proposto a reconstrução do país.
“Como nós sempre falamos na Marcha: seguiremos em marcha até que todas sejamos livres. Essa é a nossa luta. Como Margarida Maria Alves nos disse: ‘É melhor morrer na luta do que morrer de fome, porque medo a gente tem, mas não usa. Da luta eu não fujo!’”, concluiu.
A cobertura jornalística “Especial Margaridas 2023: Mulheres pelo Bem Viver” é uma realização da Agência Informativa Pulsar Brasil, um programa da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc Brasil), em parceria com o Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese).
Edição: Jaqueline Deister