“O servidor público concursado é o pior inimigo de um político corrupto, pois não deve favores, assumiu o cargo por mérito próprio e sempre será funcionário do povo, não de governos”. Se não tivessem a estabilidade, que a Reforma Administrativa quer acabar, tanto Luis Ricardo Miranda, servidor do Ministério da Saúde, que denunciou esquema de compra superfaturada da Covaxin, quanto Alexandre Saraiva, delegado da Polícia Federal, que denunciou Salles, teriam sido demitidos. Mas não podem ser dispensados porque são concursados. Se não tivessem a estabilidade, com certeza já estariam fazendo parte das estatísticas de desempregados neste país.
A denúncia, feita por servidores públicos, demonstra a importância da estabilidade e do concurso público no país.
A danosa PEC 32/2020 que tramita no Congresso Nacional reduz o número de servidores concursados e aumenta a quantidade de apadrinhamento político, nepotismo, favores eleitorais, dentre outros, sabe por quê? Para retirar a primazia do concurso público como instrumento de seleção de pessoal, enfraquecendo e/ou eliminando a estabilidade dos(as) servidores(as) civis estatutários(as) e reduzindo os patamares salariais.
Além disso, a proposta também visa transferir atividades públicas para a iniciativa privada fornecendo amplos poderes ao presidente da República para reorganizar o funcionamento do Estado de forma arbitrária e sem qualquer discussão com o Congresso Nacional e com a sociedade. Isso pode concretizar o desejo de efetivação da corrupção e da arbitrariedade de agentes privados no Estado.
Quem mais é afetado?
A proposta de Reforma Administrativa não se restringe apenas aos(às) servidores(as) públicos(as), embora este seja praticamente o único aspecto tratado pela imprensa. Se aprovada, tal reforma beneficiará interesses econômicos privados em detrimento do bem da coletividade, desprotegendo ainda mais a população pobre e a classe média. Seus efeitos, portanto, estão relacionados ao aprofundamento das desigualdades socais e ao esgarçamento do tecido social. As consequências serão sentidas não apenas pelos(as) servidores(as) públicos(as), mas por todos(as) os(as) brasileiros(as), uma vez que todos(as), sem exceção, utilizam o serviço público.
Como servidora pública concursada afirmo que a PEC 32/2020 traz mudanças extremamente danosas ao funcionamento do Estado, que nada têm a ver com aprimoramentos. Vejam as consequências de apenas três dentre diversas alterações na Constituição trazidas pela PEC: a permissão do uso de cargos comissionados para atribuições técnicas; a permissão de contratação de servidores públicos por prazo determinado sem concurso, mediante processo seletivo simplificado, mesmo não havendo necessidade temporária de excepcional interesse público e a permissão de demissão de servidores sem prévio processo administrativo disciplinar, restringindo a estabilidade, que é um requisito para a preservação do princípio da impessoalidade e da própria democracia aos profissionais de “carreiras típicas de Estado”, sem, no entanto, definir quais seriam essas carreiras.
Essas são apenas algumas mudanças de uma PEC que, se aprovada, promoverá uma ampliação desmesurada da discricionariedade dos governantes de plantão para contratar e demitir.
Ao contrário do que podem pensar, essa flexibilização, na administração pública, não contribui para a eficiência, pelo contrário, tende a resultar em governos menos profissionais, em que quase todo o funcionalismo poderia ser trocado a cada mandato por cabos eleitorais, além de tornar a máquina estatal muito mais passível de coação pelo governante e seus correligionários.
Imagine o (a) professor (a) da escola pública do seu filho ser substituído (a) por uma pessoa contratada, sem formação pedagógica, sem concurso público, mediante processo seletivo simplificado por ser apenas cabo eleitoral do prefeito? Exemplos disso são os cargos comissionados assumidos por pessoas com outras formações ou de outras áreas que se tornam os (as) famosos (as) secretários (as) de educação. Ou um presidente que possa demitir fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) , técnicos do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pesquisadores da Fiocruz ( Fundação Oswaldo Cruz ) ou mesmo extinguir órgãos que o desagradem.
Os beneficiários
Por esses e muitos outros motivos, a PEC 32/2020 é o que se pode chamar de contrarreforma. É uma mudança que vai engordar os cofres do Legislativo e do Judiciário pois não entram na “reforma”, assim como os militares.
Quem vai pagar a conta? Professoras e professores, profissionais do SUS (Sistema Único de Saúde), agentes da segurança pública. E a sociedade toda, em especial os mais pobres, que dependem dos serviços públicos de educação, saúde e assistência social. No Brasil de Bolsonaro, a desigualdade só cresce. Ricos ficaram mais ricos e quem não tinha muito passou a ter menos.
A verdade é que não há ganhadores com a proposta na mesa senão os que estiverem no poder e desejarem usá-lo para benefício próprio e dos seus. A Reforma Administrativa significa décadas de retrocesso e representa, ao contrário do que a propaganda diz, maior ineficiência, ou seja, gastos maiores para um mesmo nível de execução e de resultados de políticas e serviços públicos, ou, seja ataca os serviços de educação, saúde e assistência para a sociedade e diminui pisos salariais sacrificando a vida de trabalhadores no serviço público.
A proposta que está em curso aponta para o desmonte do serviço público para que, sem pressão da sociedade, o governo passe para a iniciativa privada tudo que hoje é gratuito, como a educação, a saúde, a previdência, a segurança, as estatais e os órgãos de controle que fiscalizam o próprio governo. Ela envolve uma série de ideias repetidas sobre o serviço público na boca de quem a defende: “o serviço público é ineficiente, gera corrupção, é muito custoso, precisamos privatizar tudo, precisamos da reforma”. E se nós te dissermos que, na verdade, é a Reforma Administrativa que vai gerar ineficiência, corrupção e aumento de despesas.
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Durante esse período de pandemia, o serviço público se mostrou essencial no atendimento à população e merece reconhecimento. Em meio a esse cenário, os servidores públicos atuam incansavelmente em áreas como a saúde, nos atendimentos e nas pesquisas das vacinas e segurança.
Diante deste pacote de maldade de Bolsonaro e Paulo Guedes, ministro da Economia, não podemos recuar. É tempo de resistência e luta contra a destruição do serviço público. É preciso desconstruir as mentiras de Bolsonaro e dos políticos anti-povo e mostrar que o principal prejudicado com a reforma é a população que depende dos serviços públicos e das estatais.