A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou, na última segunda-feira (18), a nova edição do relatório “Conflitos no Campo Brasil”. A publicação apresenta dados referentes a 2021 e confirma a escalada de violência no campo nos últimos anos, sobretudo na região amazônica.
De acordo com a pesquisa, em 2021 foram registrados 1.768 conflitos no campo no país, envolvendo mais de 897 mil pessoas. Embora o número de conflitos apresente uma redução em relação a 2020 e 2019, quando foram computadas respectivamente 2.054 e 1.903 ocorrências, o relatório aponta o aumento de 75% do número de assassinatos e mais de 1.000% das mortes em consequência de conflitos.
Segundo a CPT, a maior parte dos conflitos foram deflagrados por fazendeiros, empresários, grileiros, agentes do governo federal, mineradoras internacionais e garimpeiros. Entre as populações mais afetadas estão indígenas, posseiros, quilombolas, sem-terra, assentados e ribeirinhos.
O relatório também destaca que os nove estados da Amazônia Legal concentram cerca de 53% do total de conflitos, com 939 ocorrências, e 80% do número de assassinatos, com 28 dos 35 crimes registrados. Os estados com o maior número de homicídios foram Rondônia (11) e Maranhão (9).
Após dois anos de realização virtual, por conta da pandemia de Covid-19, em 2022 o lançamento da pesquisa pode ocorrer de forma presencial na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília. Além dos dados representados em gráficos e tabelas, a publicação também reúne 14 textos de análise sobre os conflitos por terra, água e trabalho no Brasil.
Violência
Além dos 35 homicídios ocorridos no último ano, a CPT registrou outras 109 mortes em decorrência de conflitos no campo, um salto de 1.100% em comparação às 24 ocorrências do mesmo tipo em 2020.
O estudo também aponta o crescimento dos casos de prisões violentas e torturas. Em 2021, 100 pessoas foram presas em conflitos, 32 a mais que no ano anterior. Já o número de torturados passou de nove, em 2020, para 13, em 2021. Também foram registrados no último ano 27 tentativas de assassinato, 132 ameaças de morte e 75 agressões físicas com ferimentos diversos.
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Segundo a CPT, tais ações costumam ser praticadas por agentes privados designados como “fazendeiros” e têm como princiapis alvos lideranças comunitárias e sindicalistas. Entre as vítimas de assassinato listadas no estudo, 10 eram indígenas, nove sem-terras, seis posseiros, três quilombolas, dois assentados, dois pequenos proprietários, duas quebradeiras de coco babaçu e um aliado.
A pesquisa ressalta ainda o resgate de 1.726 pessoas que estavam em condições de trabalho análogas à escravidão, o que equivale a uma alta de 113% em relação a 2020 e o maior número desde 2013. Do total de pessoas resgatadas, 64 eram crianças e adolescentes. A maioria dos casos ocorreu nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. O estado de Minas Gerais lidera com 51 casos e 757 pessoas resgatadas, seguido dos estados do Pará, com 27 casos, e Goiás com 17.
Amazônia
De acordo com a CPT, o alto número de casos de violência registrados na região amazônica “reflete não só a ferocidade da grilagem e do latifúndio, como também o emparelhamento protetor do Estado brasileiro ao setor ruralista”.
Segundo o levantamento da comissão, além de serem 28 das 35 vítimas de assassinatos no campo em 2021, os indígenas também correspondem a 101 das 109 mortes em consequências de conflitos registradas no mesmo período. Para a CPT, os altos índices se devem principalmente à expansão acelerada do garimpo ilegal em Terras Indígenas (TIs), como as dos povos Yanomami e Ye’kwana em Roraima.
De acordo com análise apresentada por membros do Instituto Socioambiental (ISA), em texto publicado no “Conflitos no Campo Brasil 2021”, a ocupação garimpeira no Brasil cresceu mais de seis vezes entre 1985 e 2020, passando de 31 mil a 206 mil hectares. Segundo o estudo, cerca de 90% da área total explorada pelo garimpo está situada na região amazônica e metade em Unidades de Conservação ou Terras Indígenas.
O documento ainda aponta que, em setembro de 2021, já se apresentava um novo recorde de 3.224 hectares ocupados pelo garimpo, o que corresponde a um aumento de 44% em relação a dezembro de 2020. De acordo com a CPT, dados do Sistema de Monitoramento do Garimpo Ilegal (SMGI), promovido pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), revelam que a calha do rio Uraricoera tem sido a região mais afetada pelos garimpeiros, concentrando 45% da área degradada pela atividade ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY).
Entre os diversos casos de violência em territórios indígenas registrados pelo relatório, está o das duas crianças da comunidade Macuxi Yano que morreram, em outubro do ano passado, sugadas pela correnteza gerada por uma draga garimpeira que operava a poucos metros da comunidade.
Edição: Jaqueline Deister