Engavetada há mais de 10 anos, a proposta de regulação da mídia no Brasil voltou a ser tema de discussões em redes sociais e jornais de todo país. O retorno da pauta às manchetes nas últimas semanas se deve às declarações feitas pelo ex-presidente Lula em sua passagem por cidades do Nordeste ainda no final de agosto. Na ocasião, o petista declarou ser favorável à criação de um novo marco regulatório para a comunicação no Brasil.
O assunto reapareceu durante entrevista coletiva realizada no dia 20 em São Luis, no Maranhão, quando Lula foi questionado por um representante de uma rádio comunitária. Dias depois, em entrevista a uma rádio em Salvador, na Bahia, o ex-presidente confirmou o posicionamento: “se eu voltar [à Presidência] eu vou regular os meios de comunicação deste país”.
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Em ambos os casos, Lula destacou que é contra qualquer tipo de censura, mas defendeu a adoção de limites, por exemplo, para as emissoras de televisão. Segundo reportagem da Folha de São Paulo, ao comentar sobre a proposta em evento organizado pelo Partido dos Trabalhadores (PT) no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no último dia 31, o ex-presidente relembrou o tratamento dado pela imprensa comercial à operação Lava-Jato e ao golpe efetuado em 2016 contra a então presidenta Dilma Rousseff. Outros pontos destacados por Lula foram a concentração de grupos econômicos no setor de radiodifusão, a desinformação nas redes sociais e os critérios do governo para distribuição de verbas de publicidade oficial.
Ainda de acordo com a Folha, embora concordem com a necessidade atualizar a legislação do setor de comunicação, membros do próprio partido do ex-presidente teriam considerado o posicionamento “inoportuno” pois, segundo eles, “ainda não há debate consolidado sobre o tema”. Por tratar-se de um tema sensível, os petistas temem que o debate sirva de munição aos críticos de Lula durante uma provável corrida eleitoral em 2022 e defendem que o ex-sindicalista deveria “se preservar” para quando o debate em torno da medida estiver amadurecido.
As declarações de Lula também tem sido repercutidas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e seus apoiadores. Segundo o chefe do Executivo, a tentativa de regular os meios de comunicação no país configura censura.
“A nossa liberdade de imprensa, com todos os seus defeitos, tem que persistir. No que depender de nós, jamais teremos quaisquer medidas visando censurá-los. É melhor falando do que calado”, afirmou Bolsonaro em evento no Palácio do Planalto.
Regulação
A regulação da mídia no Brasil existe desde a década de 1930, quando foram editadas as primeiras normas relativas ao funcionamento da radiodifusão (rádio e televisão) no país. Atualmente, a legislação vigente é representada pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, criado ainda em 1960. Junto a ele, ao longo das últimas décadas foram criadas leis específicas como a Lei do Cabo, Lei das Rádios Comunitárias, o Marco Civil da Internet e as leis que criaram, por exemplo, o Conselho de Comunicação Social e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
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Durante os 14 anos em que esteve à frente do Executivo, o Partido dos Trabalhadores chegou a esboçar mudanças na legislação referente à comunicação. Nesse sentido, destacam-se, por exemplo, a criação da EBC, em 2008, e a aprovação, em 2014, do Marco Civil da Internet.
A primeira e única Conferência Nacional de Comunicação do país também foi realizada durante os governos petistas, em 2009. Durante o evento que reuniu representantes do governo, empresas do setor e organizações da sociedade civil foi construído uma programa cujo objetivo seria justamente regular o emprego das mídias no país. As sugestões levantadas na Conferência, todavia, foram engavetadas nos anos seguintes pela presidenta Dilma Rousseff e sequer foram apresentadas ao Congresso.
Em nota à Folha, Dilma alegou a discussão do Marco Civil da Internet foi a prioridade de seu primeiro mandato e que o debate sobre regulação dos meios de comunicação foi inviabilizado pela crise política que levou ao impeachment, em 2016.
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Além do documento elaborado pelo então ministro, Franklin Martins, a partir dos encaminhamentos da Conferência Nacional de Comunicação, o ex-presidente Lula também tem citado como referência de regulação o modelo adotado pelo Reino Unido, que prevê restrições à concentração da propriedade dos meios e estabelece princípios como diversidade de conteúdo e classificação etária.