Em meio à pandemia de Covid-19, o Brasil registrou um crescimento do número de pessoas com acesso à internet. O índice de 74% de conectados registrado em 2019 subiu para 81% em 2020, o que corresponde a aproximadamente 152 milhões de usuários no país. Os dados são da pesquisa TIC Domicílios 2020, promovida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) e lançada na última quarta-feira (18) pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br).
De acordo com o levantamento, o crescimento da proporção de domicílios com acesso à internet se deu em todas as regiões do país tanto em áreas urbanas como rurais. O aumento também se repetiu em todas as faixas de renda familiar e estratos sociais, com destaque para as classes D e E – parcelas mais vulneráveis da população – que registraram aumento de 10% em relação à 2019.
Contudo, os indicadores apontam a persistência das desigualdades no acesso, com a prevalência de usuários de classes mais altas, escolarizados e jovens.
O uso da internet para atividades de trabalho, por exemplo, chegou a 38% dos usuários de internet, mas segue sendo reportado em maior proporção pela classe A (72%) e por usuários com Ensino Superior (66%). O mesmo acontece com a realização de cursos a distância e ao acesso a serviços públicos online que, embora tenham crescido entre usuários das classe C, D e E, ainda apresentaram índices inferiores aos das classes A e B.
Desigualdades
De acordo com o coordenador da pesquisa TIC Domicílios, Fábio Storino, as desigualdades observadas no mundo digital refletem em parte as demais desigualdades existentes na sociedade, sejam elas classe social, gênero, raça ou região. A renda familiar, por exemplo, pode ser um fator determinante para a qualidade de acesso de milhares de famílias pois, segundo Storino, ela afeta o interesse de provedores em ofertar serviços de internet em algumas localidades do país.
Leia mais: “Não dá para falar de inclusão digital sem falar de inclusão social”, diz pesquisador
No mesmo sentido, o doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) ressaltou à Pulsar Brasil que, atualmente, a dificuldade de acesso à internet pode aprofundar as desigualdades no país:
“A exclusão digital não é apenas um reflexo das desigualdades sociais, como também contribui para perpetuá-las ou até mesmo para ampliá-las. Não conseguiremos superar as desigualdades sociais sem enfrentar também as desigualdades existentes no meio digital”, explica.
Storino também repara que o avanço dos processos de universalização do acesso à internet no Brasil e de redução das diferenças de acesso por região ou classe social é fundamental, mas não suficiente.
Segundo ele, para além do acesso, é necessário que as políticas públicas voltadas para a inclusão digital invistam esforços para a garantia do que pesquisadores tem chamado de “conectividade significativa”, isto é: acesso regular (sempre que os usuários desejarem ou necessitarem), dispositivos apropriados (com capacidade de processamento, armazenamento e tamanho adequado para as atividades que se pretende realizar online) e conexão adequada (sem limitações de quantidade de dados ou de aplicações que podem acessadas sem consumir essa “franquia de dados”).
Leia mais: Democracia violada: A reconstrução da censura no “Brasil profundo”
Outro ponto destacado pelo pesquisador é o desenvolvimento de habilidades digitais dos usuários de internet. Um processo que, na opinião de Storino, deve começar na escola, com as novas gerações, mas que também se aplica aos usuários mais velhos. “Por mais que se invista em hardware e software adequados, o elo mais fraco dessa cadeia será sempre os usuários”, comenta o coordenador em referência aos riscos de ataques cibernéticos e de campanhas de desinformação (“fake news”) pela internet.
Direitos
Sobre a relação entre o acesso à internet e a melhoria de qualidade de vida, bem como o acesso a direitos básicos, Storino considera que a pandemia de Covid-19 tornou ainda mais evidente a importância da internet para a realização de uma série de atividades do cotidiano de milhares de brasileiros. Segundo ele, a realização de atividades no ambiente online contribuiu para as medidas de distanciamento social adotadas no combate à pandemia. Por outro lado, a falta de internet ou a persistência de barreiras para o uso efetivo da rede se converteram em um problema de saúde pública. Como exemplo, ele cita o caso dos idosos com 60 ou mais anos de idade:
“Em 2019, apenas pouco mais de um terço dos indivíduos com 60 ou mais anos de idade era usuário de internet. Segundo a pesquisa TIC Domicílios, essa proporção aumentou para 50% em 2020. Como os idosos são um grupo de risco em relação à Covid-19, a internet foi fundamental para que eles mantivessem contato com familiares e com amigos durante o período, combatendo o isolamento e as questões ligadas à saúde mental. Mas, segundo a pesquisa, a outra metade da população com 60 anos ou mais não é usuária da internet”, pondera o pesquisador.
Situação semelhante ocorre quando o assunto é educação, pois, de acordo com Storino, durante a pandemia o uso da internet em atividades educacionais passou a ser central. Inclusive, o acesso e a qualidade da conexão tem sido fatores decisivos ao diferenciar estudantes que conseguiram manter a rotina de estudos e os que tiveram as atividades escolares interrompidas. “Isso é algo que pode ter afetado toda uma geração no Brasil, com efeitos inclusive (mas não apenas) no emprego e na renda que vamos sentir nos próximos anos ou mesmo por décadas”, analisa.
Pesquisa
A pesquisa TIC Domicílios 2020 realizou entrevistas em 5.590 domicílios. A metodologia de coleta dos dados teve de ser adaptada em razão da pandemia e das medidas de distanciamento social. Portanto, parte das entrevistas tiveram de ser feitas por telefone.
Segundo Storino, ao fornecer dados sobre o acesso e o uso da internet no Brasil, a TIC Domicílios e demais pesquisas realizadas pelo Cetic.br tem como objetivos contribuir para a reversão do quadro de exclusão digital no país e para o desenvolvimento de políticas públicas que, baseadas em evidências, consigam oferecer respostas a esse desafio. Conforme o próprio pesquisador afirma: “ O desafio é grande, mas é possível superá-lo, sim, com a participação de todos”.
Edição: Jaqueline Deister