A menos de uma semana para a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), novas denúncias de servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) sobre a interferência do Governo Federal na elaboração da prova podem comprometer ainda mais a legitimidade do exame.
Segundo reportagem publicada nesta quarta-feira (17) pelo jornal O Estado de S. Paulo, em procedimento inédito, o Inep imprimiu previamente as provas deste ano e as submeteu à análise de pessoas externas ao órgão para controlar o conteúdo do Enem. Conforme a notícia, 24 questões chegaram a ser retiradas do exame por envolverem temas considerados “sensíveis”. Destas, 13 tiveram que ser reinseridas para manter a proporção de questões consideradas fáceis, médias e difíceis no exame. As demais foram substituídas pela comissão responsável.
Além de representar mais uma intervenção direta do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) no conteúdo da avaliação, a medida compromete a inviolabilidade da prova.
“A cara do governo”
Na última semana, 37 servidores do Inep ligados à elaboração do Enem pediram exoneração da autarquia. Os trabalhadores acusam a atual gestão de “fragilidade técnica e administrativa” e de assédio moral.
Em reportagem exibida no último domingo (14) pela TV Globo, uma ex-funcionária do Inep afirmou que as questões excluídas do Enem a mando do diretor de Avaliação da Educação Básica do Inep, Anderson Oliveira, se referiam à história recente do país. No cargo desde maio deste ano, até o momento Oliveira não se pronunciou sobre a acusação.
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Na última segunda-feira (15), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a declarar que o Enem começa agora a “ter a cara” do governo e acrescentou que “ninguém precisa estar preocupado com aquelas questões absurdas do passado”. Contudo, nesta quarta-feira, voltou atrás e alegou não ter conhecimento sobre a supressão das questões. Do mesmo modo, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, e o vice-presidente, Hamilton Mourão, também negaram qualquer interferência na condução do exame.
Ainda nesta manhã, em audiência no Senado Federal, o presidente do Inep, Danilo Dupas, seguiu a linha do Executivo, não apenas se esquivou das acusações de intervenção e assédio moral como atacou os servidores denunciantes. Segundo Dupas, “não é natural que 37 servidores aparentemente preocupados com os exames e com o Inep peçam demissão na véspera da realização das provas”.
Intervenção
De acordo com o Inep, as provas do Enem são elaboradas a partir de um banco de dados de questões produzidas por professores contratados, o “Banco Nacional de Itens do Enem”. Contudo, em 2018, em seu primeiro ano de governo, Bolsonaro e o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, criaram uma comissão para avaliar a pertinência das questões com a “realidade social” brasileira. Na ocasião, Weintraub deixou claro que a partir dali as questões não viriam mais carregadas “com tintas ideológicas”.
Em 2019, 66 questões elaboradas pelos profissionais da educação foram “desaconselhadas” pela comissão sob os argumentos de promoverem “polêmica desnecessária”, “leitura direcionada da história” ou por ferir “sentimento religioso”.
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Neste ano, o Inep chegou a esboçar uma portaria para formar um grupo permanente que deveria barrar “questões subjetivas”. Porém, em setembro, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o órgão desistisse da iniciativa.
De acordo com os servidores ouvidos pelo Estadão as situações de assédio e o clima de pressão no Inep já teriam, inclusive, criado uma espécie de autocensura entre os grupos que definem quais serão as questões do Enem.
Provas
O Enem 2021 será aplicado nos dias 21 e 28 de novembro para mais de três milhões de estudantes em todo o país.
No primeiro dia de exame, os participantes farão as provas de linguagens, ciências humanas e redação. No segundo, as questões serão de matemática e ciências da natureza.
Em 2020, o Enem bateu o recorde histórico de abstenções, com ausência de 51,5% dos inscritos. De acordo com o Ministério da Educação dos 5.523.029 estudantes que se inscreveram no exame, apenas 2.680.697 compareceram aos locais de prova.
Vale lembrar que, devido a pandemia de Covid-19, as provas da edição de 2020 foram realizadas apenas em janeiro deste ano.
Edição: Jaqueline Deister