Redação
A Campanha Nacional em Defesa do Cerrado realizou na manhã desta sexta-feira (10) uma sessão especial do Tribunal Permanente dos Povos para julgar o crime de ecocídio em curso contra o bioma e a ameaça de genocídio cultural dos povos tradicionais que o habitam.
De acordo com a acusação apresentada durante o evento, a ocupação predatória desenhada e dirigida pelo Estado brasileiro junto com Estados estrangeiros e agentes privados têm gerado danos graves ao Cerrado. Ainda segundo o documento, a região, que é uma das mais biodiversas do mundo com cerca de 5% da biodiversidade do planeta, está sob ameaça de extinção nos próximos anos e, junto com ela, os povos tradicionais que a ocupam como indígenas, comunidades quilombolas e populações de base camponesa.
Ao longo da sessão, foram apresentados 15 casos distribuídos entre Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Piauí e Tocantins. Os casos selecionados foram apresentados por lideranças dos territórios impactados e tratam de conflitos que envolvem desde grileiros do agronegócio até empresas mineradoras e empreendimentos portuários internacionais.
Tribunal
Fundado em 1979, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) é uma instância internacional que tem como objetivos reconhecer, visibilizar e ampliar as vozes dos povos vítimas de violações de direitos. Embora as decisões do tribunal não tenham aplicações dentro do sistema jurídico formal dos países em que é realizado, as sentenças proferidas pelo TPP servem para expor os vazios e limites do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos e, assim, pressionar organismos nacionais e internacionais para sua evolução.
De acordo com o secretário-geral do Tribunal Permanente dos Povos, Gianni Tognoni, o TPP possui uma relação histórica com o Brasil. Sobre a sessão especial do Tribunal do Cerrado, ele comentou que o evento “se coloca como uma tribuna de visibilidade e tomada da palavra para um território e populações que haviam sido praticamente desaparecidas da atenção da comunidade brasileira e internacional”.
O Tribunal do Cerrado foi conduzido sob o lema: “É tempo de fazer acontecer a justiça que brota da terra!”. Segundo Valéria Santos, integrante da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o lema diz respeito ao reconhecimento do direito à vida e à autonomia dos povos do Cerrado.
“O que está na base do Tribunal do Cerrado é o entendimento de que os povos têm autonomia para construir historicamente suas formas próprias de relação com a vida, suas concepções de Justiça, e por isso seus direitos não são apenas aqueles reconhecidos pelo Estado e não podem depender somente da institucionalidade para serem legítimos. Nesse sentido, o Tribunal do Cerrado afirma, ao reconhecer os povos como construtores dos seus direitos, que a justiça brota da terra”, declarou.
Todas as sessões do TPP contam com um júri multidisciplinar escolhido de acordo com os casos apresentados. Na edição do Cerrado, participaram do júri a jurista e ex-vice procuradora geral da República, Deborah Duprat; o bispo da Diocese de Brejo (MA), Dom José Valdeci; a jornalista Eliane Brum e a líder indígena e coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil(APIB), Sônia Guajajara.
Entre os jurados internacionais estiveram professor espanhol de direito internacional público Antoni Pigrau Solé; a socióloga venezuelana Rosa Acevedo Marin; a jornalista e pesquisadora uruguaia do Grupo ETC, Silvia Ribeiro e a portuguesa Teresa Almeida Cravo, professora de relações internacionais. Também participaram da sessão o atual presidente do TPP, o jurista francês Philippe Texier e atual vice-presidente do Tribunal, a deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP).
Festival
Além da sessão especial do TPP, a Campanha em Defesa do Cerrado também realizará no dia 11, quando é celebrado o Dia Nacional do Cerrado, o Festival dos Povos do Cerrado.
O evento será promovido de forma online e contará com apresentações culturais da Orquestra de Violeiros de Goiás, das Quebradeiras de Coco Babaçu do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) e também do grupo Encantadeiras. A programação contará ainda com a participação de Hilário Xakriabá e Povo Xakriabá, Braulino Caetano, além de apresentações de povos do Oeste da Bahia e poesias das juventudes do Cerrado.
Durante o Festival será lançada oficialmente a Campanha de financiamento coletivo “Salve Uma Nascente”, um projeto idealizado pela Articulação das CPT’s do Cerrado que estabelece metas de arrecadação para recuperar cinco nascentes, em cinco estados.
Para Leila Cristina, integrante da CPT e da coordenação executiva da Campanha em Defesa do Cerrado, o lançamento da Campanha “Salve uma Nascente” em meio ao Festival é uma maneira de aliar a celebração dos povos e culturas do Cerrado com a luta pela proteção das águas.
“A Campanha Salve Uma Nascente é imprescindível para nosso presente e nosso futuro. Não só para os povos e comunidades que vivem no Cerrado, mas para todos nós, do campo e da cidade, pois sem água não há vida”, afima.
O Festival dos Povos do Cerrado será transmitido às 19h através das redes da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e da CPT.