O julgamento que definirá o futuro das demarcações das Terras Indígenas no Brasil no Supremo Tribunal Federal (STF) foi interrompido logo após começar nesta sexta-feira(11) por pedido de destaque feito pelo ministro Alexandre de Moraes.
O ministro Luiz Fux, presidente da Corte, deve recolocar o processo em pauta, porém não há prazo definido e nem previsão para o retorno do tema à votação. Após o pedido de destaque, em tese, o julgamento deve ser retomado no formato presencial – que, por conta da pandemia, está ocorrendo por vídeoconferência. Isso significa que o julgamento terá leitura e apresentação dos votos e sustentações orais em tempo real, e não mais no plenário virtual, em que os votos escritos são incluídos no sistema pelos ministros.
O que está em jogo?
Em análise pelo STF está o Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata da ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, envolvendo a Terra Indígena Ibirama-Laklanõ. Em abril de 2019, o plenário do STF reconheceu por unanimidade a “repercussão geral” do processo, o que significa que a decisão sobre o caso servirá de referência a todos os casos envolvendo terras indígenas, em todas as instâncias da Justiça.
Para além do caso concreto das terras do povo Xokleng na região do Vale do Itajaí, o ponto central do julgamento é o debate entre duas teses: a chamada “teoria do indigenato” e a tese do “marco temporal”.
No primeiro caso, a teoria do indigenato é baseada em uma tradição legislativa que desde o período colonial reconhece o direito dos povos indígenas sobre suas terras como um direito originário, ou seja, anterior à chegada dos europeus ao Brasil e ao próprio Estado brasileiro. A própria Constituição Federal de 1988 segue essa tradição e, no artigo 231, garante aos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
Do outro lado, a chamada tese do “marco temporal”, vincula a demarcação das terras indígenas à ocupação no momento da promulgação da Constituição de 1988. Isto é, os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse no dia cinco de outubro de 1988 . Tal interpretação tem sido defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas.
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Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), centenas de conflitos em todo o país terão o caminho aberto para sua solução caso o STF decida por reafirmar o caráter originário dos direitos indígenas. Cerca de 310 terras indígenas que aguardam os respectivos processos de demarcação não teriam mais nenhum impedimento para que seus processos administrativos fossem concluídos.
Ao contrário, se o STF optar pela tese do marco temporal, além de travar centenas de processos de demarcação de terras indígenas, existe o risco de que demarcações consolidadas sejam anuladas e que surjam novos conflitos em regiões já pacificadas.
Processo de demarcação
De modo geral, os processos de demarcação são iniciados com a realização de um estudo técnico e a produção de um relatório antropológico que identifica e delimita a área a ser demarcada. Essa primeira etapa é de responsabilidade da Fundação Nacional do Índio (Funai). Em seguida, a proposta é encaminhada ao Ministério da Justiça para a publicação de uma portaria declaratória. Ao fim, caso seja aprovada, a demarcação é homologada pela Presidência da República por meio de decreto.
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De acordo com a Constituição Federal, são reconhecidos aos povos indígenas “os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. Ainda segundo a carta constitucional, as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser vendidas ou cedidas, e os direitos sobre elas imprescritíveis, isto é, não prescrevem ou caducam.