Redação
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), devem retomar nesta quarta-feira (25) o julgamento do chamado “marco temporal” das Terras Indígenas (TI). Desde domingo (22), cerca de seis mil indígenas de mais de 170 etnias estão concentrados no acampamento Luta pela Vida, em plena Praça dos Três Poderes, para reivindicar direitos e pressionar os ministros para que respeitem a Constituição Federal e rejeitem de vez a tese ruralista.
O caso em questão se refere à ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãnõ, na região do Vale do Itajaí. Em 2019, o STF deu status de “repercussão geral” ao processo, o que significa que a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os demais casos ligados a procedimentos demarcatórios.
De forma resumida, a tese do “marco temporal” defende que as demarcações de terras indígenas sejam vinculadas à ocupação no momento da promulgação da Constituição de 1988, ou seja, os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988. De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), além de inconstitucional, a tese é injusta pois desconsidera todo o histórico de expulsões, remoções forçadas e demais violências sofridas pelos indígenas no período anterior a 1988.
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Na sessão de hoje, os ministros do STF retomarão o julgamento após dois adiamentos anteriores. O primeiro, no dia 11 de junho, quando a audiência foi suspensa por um pedido de “destaque” do ministro Alexandre de Moraes. E o segundo, no dia 30 de junho, quando o julgamento sequer foi iniciado por falta de tempo.
O ministro Edson Fachin, relator da matéria, já se posicionou contra o “marco temporal”. Além dele, o ministro Luiz Fux, atual presidente do Supremo, também afirmou esta semana que o Poder Judiciário não vai admitir retrocessos em questões indígenas e que não é possível pensar no desenvolvimento do país sem que sejam asseguradas as salvaguardas que a Constituição destina aos povos tradicionais.
Repercussão Internacional
O caso também tem sido alvo de preocupação de organismos internacionais como Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Na última terça-feira (24), a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à OEA, e o Relator Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, Francisco Cali Tzay, se manifestaram contra a tese do marco temporal.
Em nota, a CIDH afirmou que a aplicação da tese “contradiz as normas internacionais e interamericanas de direitos humanos, em particular a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas”. O documento ainda “chama o Estado do Brasil, em particular o Supremo Tribunal Federal, a adotar as medidas necessárias para rever e modificar as disposições das ordens ou diretrizes judiciais, tais como a tese de ‘marco temporal’, que são incompatíveis com os parâmetros e obrigações internacionais relativas aos direitos humanos dos povos indígenas e tribais”.
Na mesma linha, o relator especial da ONU afirmou que: “Se o STF aceitar o chamado “marco temporal” em sua decisão sobre a demarcação de terras, no final deste mês, poderá legitimar a violência contra os povos indígenas e acirrar conflitos na floresta amazônica e em outras áreas”.
Luta pela Vida
Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a mobilização Luta pela Vida já pode ser considerada o maior protesto indígena da história do Brasil. Em nota divulgada na terça-feira, a Apib explica que a reunião dos mais de seis mil indígenas reunidos em Brasília pode ser interpretada como um recado para o mundo e para as forças que insistem em violentar os povos indígenas:
“Somos seis mil em Brasília, e representamos todos e todas as parentes que seguem na luta em nossos territórios. Somos seis mil que representamos os milhões de ancestrais que foram apagados da história. Somos seis mil que representamos o futuro dos povos indígenas do Brasil!”, diz o texto.
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De acordo com a coordenadora jurídica da articulação, Samara Pataxó, além de cobrar os direitos que são garantidos pela Constituição, a mobilização também representa a confiança dos povos indígenas no Judiciário brasileiro:
“É importante essa mobilização dos indígenas, na Praça dos Três Poderes, e na frente do STF, justamente para trazer essa mensagem de apoio ao Judiciário, para dizer que os indígenas acreditam no Judiciário, acreditam no STF enquanto protetor da Constituição e da democracia, diante desse cenário em que o STF é extremamente atacado, principalmente pelo Executivo. Tanto o STF quanto os povos indígenas estão sob ataque desse governo”, lembrou.