O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, na última quarta-feira (18), a continuidade do processo de privatização da Eletrobras, a estatal brasileira considerada a maior companhia do setor elétrico da América Latina.
Dos oito ministros que votaram no plenário, sete foram favoráveis à desestatização da empresa e apenas o ministro Vital do Rêgo se opôs. O ministro chegou a pedir a suspensão do processo até o tribunal concluir uma fiscalização sobre supostas ilegalidades que poderiam causar uma subavaliação da empresa no mercado. O pedido, no entanto, foi negado também por 7 votos a 1.
O julgamento de quarta-feira encerrou a segunda e última etapa de análise no TCU. A primeira etapa havia sido cumprida em fevereiro. A análise e aprovação do TCU se deu após o aval do Congresso Nacional em junho do ano passado.
Com a aprovação do TCU, a última pendente para o avanço da privatização, o processo deve passar ainda pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela Securities and Exchange Commission (SEC) para o cumprimento de trâmites burocráticos. A expectativa do Governo Federal é de que as ações da Eletrobras sejam ofertadas no mercado até agosto. A estimativa é que sejam captados cerca de R$ 67 bilhões.
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Caso não seja interrompida judicialmente, a privatização da Eletrobras será realizada na forma de capitalização, o que significa que a União ofertará novas ações da companhia na bolsa de valores e, com isso, deixará de ser acionista controladora. O objetivo é que, após a conclusão do processo, a estatal se torne uma empresa sem controlador definido. Segundo o governo o poder de voto de cada acionista será limitado a 10%.
Ainda de acordo com o governo, a privatização resultará em benefícios para a população e pode reduzir a conta de luz dos consumidores residenciais devido ao aumento da competitividade no setor. O argumento chegou a ser repetido pelo ministro do TCU, Augusto Nardes. Segundo ele, é possível que haja um aumento nas tarifas de energia em um “primeiro momento” após a capitalização da empresa, mas as tarifas se estabilizariam a médio e longo e prazo.
Tal previsão, contudo, tem sido negada por analistas e entidades do setor que afirmam que além do aumento da conta de luz, a privatização implicará na perda de autonomia política do país em relação à questão energética e, consequentemente, econômica.
Política de preços
Em entrevista à Pulsar Brasil, o engenheiro eletricista e diretor do Sindicato dos Engenheiro de Pernambuco (Senge-PE), Mailson da Silva Neto, afirmou que a promessa de queda dos preços de energia corresponde a um “velho discurso quando se quer entregar a riqueza de um país”.
Conforme explica o sindicalista, a energia produzida, hoje, pelas usinas da Eletrobras é vendida aos consumidores a valores mais baixos que os praticados pelo mercado. Com isso, o Estado consegue “impor uma política de pesos e contrapesos ao mercado que o força a, pelo menos na geração e transmissão, que é onde a empresa atua, conter esses preços”. Com a capitalização e a mudança desse regime, a energia poderá ser vendida a preço de mercado, que costuma corresponder a valores mais altos.
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Ainda sobre a promessa de tarifas mais baixas, Mailson esclarece que o argumento de aumento da competitividade seria mais uma falácia do Palácio do Planalto, pois, conforme observa o engenheiro, o setor elétrico, no Brasil e no mundo, é monopolista “por natureza”.
“No setor elétrico, o meio de propagação da energia, isto é, dos elétrons produzidos e gerados nas usinas, é o condutor: o fio. A engenharia ainda não tem outro meio de propagação. Então esse setor é um setor monopolista. É um monopólio natural. Não cabe esse tipo de colocação. É injustificável comparar o setor elétrico com o setor de telecomunicações, por exemplo, onde existem várias formas e meios de transmitir dados e informações”, considerou o diretor do Senge-PE.
Outro fator criticado por Mailson foi a ausência, durante toda a análise do processo de capitalização, de um estudo de impacto tarifário pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Como é que uma decisão de altíssima importância em um setor estratégico para o país é tomada sem que a Aneel faça os cálculos para dizer qual é o impacto tarifário?”, questionou.
Por fim, o engenheiro eletricista também lembrou que os chamados “jabutis” embutidos na lei que regulamenta a privatização da Eletrobras (Lei 14.182/21) devem elevar “absurdamente” o valor das contas de luz. O texto aprovado pelo Congresso estabelece, por exemplo, a contratação de 8 mil megawatts de usinas termelétricas que terão de entrar em operação entre 2026 e 2030.
“As termelétricas foram incluídas na lei mas sem haver gasodutos. Então a infraestrutura de gasodutos vai ter que ser construída. Se a infraestrutura de gasodutos vai ter que ser construída, ela vai para a tarifa. E se ela vai para a tarifa, ela aumenta essa tarifa. E quem paga é o consumidor”, pontuou.
Soberania ameaçada
Para além das contas de luz, o sindicalista aponta que a privatização da Eletrobras também pode gerar graves impactos em relação a autonomia política e econômica do Estado brasileiro pois, segundo ele, a questão energética é fundamental e estratégica para o desenvolvimento de qualquer país. Com a privatização, o Brasil ficaria “à mercê” do interesse do mercado.
“A questão energética é uma questão tão central que a maioria das guerras do mundo se dá pela questão energética. Se você não controla os preços da energia, como você vai controlar a inflação, por exemplo? Como é que você controla a inflação se você não controla os preços administrados? Um estado que não controla os preços administrados não tem como fazer política de controle da inflação, política monetária, etc.”, explicou.
O engenheiro recorda que antes da estatização do setor elétrico no país, há aproximadamente 70 anos, praticamente todo o investimento privado era voltado para a produção termelétrica a diesel justamente para forçar a dependência do país em relação ao mercado internacional.
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“Quando era privado, as empresas nunca construíram nenhuma hidroelétrica de grande porte. Era importante para elas que o Brasil não tivesse nenhuma usina de grande porte. O que elas preferiam era exatamente a produção termoelétrica a diesel. Nós não tínhamos petróleo – não éramos autossuficientes em petróleo como somos hoje – então nós importávamos as máquinas e o diesel, o que nos causava uma grande dependência”, registrou o sindicalista.
Judicialização
Na última quarta-feira (18), parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) e dirigentes sindicais entraram com quatro ações judiciais contra a privatização da Eletrobras em juizados federais de estados do Nordeste (Alagoas, Bahia e Paraíba) e no Supremo Tribunal Federal (STF).
As ações questionam e contestam questões relativas a impactos tarifários, transparência de informações e contratos de concessão. O mandado de segurança impetrado no STF argumenta que o Ministério de Minas e Energia (MME) não cumpriu devidamente determinações relativas à publicidade dos processos.
Atualmente, a Eletrobras detém 43% das linhas de transmissão do país, num total de 76.230 km. A estatal também é responsável por cerca de 29% da geração de energia do Brasil. Em 2020, a receita operacional líquida registrada pela companhia foi de R$ 29,08 bilhões e o lucro líquido foi de R$ 6,34 bilhões.
Edição: Jaqueline Deister