Há exatamente um ano, no dia 3 de agosto de 2020, um conflito entre supostos policiais militares e povos tradicionais da região dos rios Abacaxis e Marimari, nos municípios amazonenses de Borba e Nova Olinda do Norte, deu início a uma série de episódios violentos que ficou conhecido como “Massacre do Rio Abacaxis”. Para cobrar justiça pela vida dos indígenas e ribeirinhos mortos e pelos abusos sofridos na época, organizações sociais e lideranças da região promovem hoje e amanhã (4) o seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: Haverá justiça?”. Além de mesas de diálogo, a programação inclui também uma celebração ecumênica e uma coletiva de imprensa para informar sobre o andamento das investigações e processos sobre o massacre.
A abertura do evento contou com a participação de lideranças locais como os indígenas Jair Seixas Reis, do povo Maguará, e Alessandra Macedo Rodrigues, do povo Munduruku da aldeia Laguinho, o presidente da Associação Comunitária de Monte Horebe, Antônio Pereira Vidal e o bispo da Arquidiocese de Manaus, Dom Leonardo Steiner. Ao longo da conversa, os convidados traçaram um histórico da tragédia e comentaram sobre o contexto social e político no Amazonas, com destaque para as áreas de indígenas e ribeirinhos.


Na parte da tarde, a discussão girou em torno das informações sobre os procedimentos jurídicos instaurados para garantir a segurança das comunidades afetadas pelo massacre e a responsabilização dos criminosos. Participaram do debate parlamentares como a deputada federal Joenia Wapichania (Rede/RR) e o também deputado federal José Ricardo Weding (PT/AM). Além deles, também compuseram a mesa representantes de órgãos públicos como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública do Amazonas e a Comissão Nacional dos Direitos Humanos.
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Para a manhã de quarta-feira, quando se encerra o evento, estão previstas uma celebração ecumênica em homenagem às vítimas do massacre e uma coletiva de imprensa em formato semipresencial. Participam da organização do seminário a Arquidiocese de Manaus, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas, o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação (Sares) e a Articulação das Pastorais do Campo. Os videos com a cobertura ao vivo do evento estão disponíveis na página do Cimi no Youtube.
Massacre
O massacre do Rio Abacaxis aconteceu no dia 3 de agosto de 2020, quando pelo menos sete pessoas foram mortas e duas ficaram desaparecidas após uma suposta ação policial nas proximidades das Terras Indígenas (TIs) Maraguá e Coatá-Laranjal e da região dos rios Abacaxis e Marimari. Segundo informações colhidas pelo MPF, os policiais estariam realizando uma suposta operação para coibir o tráfico de drogas na região. Ainda segundo o MPF, eles estariam em uma embarcação privada e, além de não usarem uniformes, não se identificaram quando foram abordados por moradores locais. De acordo com o Cimi, dois indígenas Munduruku, três ribeirinhos e dois policiais morreram no dia. Outras duas pessoas ficaram feridas e dois adolescentes desapareceram desde então.
O confronto, no entanto, teria sido gerado pelo clima de tensão e suspeita que havia se instaurado dias antes na região. De acordo com o Cimi, no dia 24 de julho de 2020 moradores das comunidades ribeirinhas da região encontraram um grupo de turistas que, em plena pandemia e sem o devido licenciamento dos órgãos ambientais, tentava realizar pesca esportiva na região, que faz parte dos Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) Abacaxis I e II. Dentre os turistas estava o então secretário-executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa. Ainda segundo o Cimi, o secretário teria dito que deixou o local após sofrer um tiro no ombro e ameaçou retornar em retaliação.
Ao MPF, Saulo confirmou que a embarcação utilizada neste dia era a mesma que foi usada pelos policiais na data do massacre, mas alegou que a operação tinha sido motivada por denúncias de tráfico de drogas. Contudo, ainda de acordo com o MPF, os agentes policiais teriam informado aos moradores locais, nas abordagens nos dias que se seguiram, que estavam no local em busca do possível autor do disparo contra o secretário.
Abusos
No dia seguinte ao massacre, dia 4 de agosto, a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) enviou um efetivo de 50 policiais para reforçar a ação na região. De acordo com o MPF, a partir deste dia o órgão passou a receber relatos de diversos atos de abuso e violação de direitos por parte da Polícia Militar contra moradores tradicionais do rio Abacaxis.
Dentre os casos relatados estão denúncias de invasão das casas, apreensão de telefones celulares, uso desproporcional de armas de fogo para intimidar os moradores, restrição de circulação no rio Abacaxis, impossibilitando o envio de alimentos e mantimentos e o socorro aos feridos pelas ações da Polícia Militar. O Ministério Público também registrou relatos de condução ilegal e tortura contra uma liderança da Associação Nova Esperança do Rio Abacaxis, entidade representativa dos ribeirinhos e assentados extrativistas do local.
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Em junho deste ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou que a União enviasse agentes da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança para conter a violência contra indígenas e ribeirinhos dos Projetos de Assentamento Extrativistas Abacaxis I e II. Contudo, a decisão não foi cumprida e, no mês seguinte, o MPF solicitou ao TRF1 a aplicação de multa no valor de R$ 100 mil por dia de atraso na adoção das medidas. O pedido também previa a intimação pessoal dos gestores dos entes requeridos e a aplicação de multa pessoal em caso de permanência da omissão.
Edição: Jaqueline Deister