A tragédia provocada pelas fortes chuvas em Petrópolis, Região Serrana do Rio, completou um mês esta semana e, apesar do esforço das autoridades e do apoio solidário de institituições e voluntários, os moradores do município ainda sofrem com as consequências do maior desastre socioambiental da história da cidade.
De acordo com a Prefeitura, o temporal que atingiu o município no dia 15 de fevereiro fez 233 vítimas fatais, das quais 138 eram mulheres, 95 homens e, desse total, 44 menores de idade. Ainda segundo o governo municipal, quatro pessoas ainda estão desaparecidas – entre elas, uma criança de 8 anos.
Na última terça-feira (15), familiares das vítimas, lideranças comunitárias e voluntários que ajudaram nos resgates e na busca por desaparecidos promoveram um ato em homenagem às vítimas. A manifestação foi realizada na praça Visconde de Mauá, em frente a Câmara Municipal de Vereadores, no Centro da cidade. Em memória às vidas perdidas, o grupo fixou 233 cruzes no gramado da praça.
Também nesta semana, o prefeito Rubens Bomtempo (PSB) anunciou a compra de um prédio no Centro da cidade para abrigar 32 famílias vítimas da chuva. De acordo com Bomtempo, o imóvel, no valor de R$3,5 milhões, será adquirido com parte do recurso enviado ao município pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) – R$ 30 milhões no total. Segundo a Prefeitura, o imóvel conta com 20 kitnets e 12 apartamentos.
De acordo com informações da Secretaria de Assistência Social (SAS), neste primeiro mês mais de 170 famílias foram direcionadas para novos lares a partir do benefício do aluguel social, mas 690 pessoas seguem nos 20 abrigos temporários disponibilizados pelo poder público. De acordo com a secretaria, além de orientações sobre como obter o benefício e buscar por imóveis para locação, todas as pessoas acompanhadas nos abrigos tem recebido atendimento médico e psicológico.
Ainda assim, milhares de famílias do município continuam em situação preocupante. Sobretudo as que vivem próximas a áreas de risco.
Sem respostas
Em entrevista exclusiva à Pulsar Brasil, o vereador e presidente da Comissão Especial de Assistência Social e Moradia da Câmara Municipal, Yuri Moura (PSOL), relatou que a falta de informações tem sido um dos principais problemas no processo de enfrentamento da crise e recuperação da cidade. Segundo ele, faltam respostas à população por parte dos poderes executivos municipal e estadual.
“O que a gente percebe nas comunidades é uma procura grande por respostas. A Defesa Civil tem mais de 5 mil ocorrências para cumprir. Até o momento, conseguiu cumprir um quarto disso tudo. Isso quer dizer que as pessoas que estão em área de risco estão na dúvida se vão poder retornar as suas casas ou se vão ter que procurar um outro destino. Ao mesmo tempo, a fila do aluguel social é de mais de 3 mil famílias e o município só conseguiu encontrar imóvel para menos de 400. A gente está numa crise bem grande”, descreveu à Pulsar.
Formando em gestão pública com especialização em Cidades e Planejamento Urbano, Yuri explica que a Comissão tem acompanhado de perto e auxiliado os moradores a superar o problema da falta de informação e melhorar o fluxo de serviços, “seja o Aluguel Social, seja o acesso ao laudo da Defesa Civil, ou seja alguma informação referente ao saque do FGTS”.
Contudo, o vereador destaca que o principal problema ainda é a falta de uma política de moradia e habitação de interesse social:
“Petrópolis nunca teve uma política de moradia popular séria. A gente até avançou em políticas de defesa civil e proteção. Hoje você tem aí sistemas de alerta e alarme, você tem as Nudecs, que sãos os núcleos nos bairros que capacitam moradores. Isso tudo colaborou para as respostas às chuvas, mas a gente percebeu que ainda é insuficiente”, pontuou.
Habitação
Moura lembra que, em 2018, a Prefeitura apresentou um Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR) que listava 234 locais considerados como risco alto ou muito alto para deslizamentos, enchentes e inundações. Na época, a área crítica correspondia a 18% de todo o território do município.
“De lá pra cá nada foi feito. Pelo contrário, os poucos conjuntos habitacionais que foram entregues, referentes às chuvas de 2011, foram entregues cheios de problemas. A gente teve que fazer audiência pública e pressionar para que a Caixa [Econômica Federal] refizesse a obra”, afirmou o vereador.
Em relação à tragédia deste ano, Moura reconhece que os fenômenos provocados pelas mudanças climáticas em âmbito mundial de fato influenciaram o impacto das chuvas, mas também reforça que os estragos poderiam ter sido menores caso houvesse uma política de moradia adequada às condições geográficas e sociais do município.
“A gente vive num lugar de instabilidade, a gente vive mudança climática a nível global, Petrópolis é, sim, marcada por alagamentos, enchentes, desabamentos, descolamentos de de pedra. Porém esses acontecimentos, que deveriam ser fruto de questões naturais ou até mesmo da presença do homem, aqui em Petrópolis ganham proporção absurda e causam desastres absurdos, matando muita gente, por conta de negligência político-administrativa e por falta de política de moradia”, concluiu.
Medidas
Em resposta à Pulsar, a Prefeitura de Petrópolis informou que logo nas primeiras semanas após a tragédia as equipes técnicas da Defesa Civil Municipal começaram a fazer a demarcação dos trechos de risco remanescente para a construção de um mapeamento das áreas afetadas.
Segundo o governo municipal, o mapeamento “vai permitir um diagnóstico sobre as condições de moradia a partir da realização de obras de contenção e as localidades que deverão ser interditadas de forma permanente”. Até o momento foram demarcadas localidades do Morro da Oficina, Rua 24 de Maio, Rua Nova, Vila Felipe, Caxambu, Vila Militar e Chácara Flora.
O Executivo municipal também informou que a Companhia de Desenvolvimento de Petrópolis (Comdep) já retirou mais de 110 mil toneladas de detritos das ruas da cidade e desobstruiu mais de 29 vias. Também tem sido realizadas obras emergenciais como recuperação de pontes e intervenções nas vias ao longo da avenida Barão do Rio Branco e dos bairros Bingen, Coronel Veiga e Corrêas. Ainda segundo a Prefeitura, o Governo do Estado também iniciou obras de reconstrução em pontos como Rua Teresa, 24 de Maio, Cond’Eu, Washington Luiz e Rua Nova.
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Em relação à assistência às famílias atingidas, a Prefeitura informou que a Secretaria de Assistência Social tem prestado atendimento às famílias desde o primeiro dia da tragédia e que, hoje, conta com uma força tarefa de cerca de 50 servidores e funcionários auxiliando as famílias na busca por moradias seguras e na mudança para os novos lares. “Até o momento 431 contratos de aluguel foram formalizados”, detalha a nota.
Por fim, no que se refere às medidas de prevenção a novos desastres, a Prefeitura destaca a criação do Instituto Municipal de Geologia (Geo-Serra), que será responsável pela avaliação de risco geológico-geotécnico do território municipal.
O governo municipal também ressalta que formalizou a entrega das obras do PAC Encostas para o Governo do Estado e acertou que a Caixa Econômica Federal (CEF) fará vistorias nos locais para identificar o que já foi executado e se houve avarias por causa do temporal do dia 15 de fevereiro. Segundo a Prefeitura, o PAC Encostas teve 45% das intervenções concluídas entre 2014 e 2016, e 12% concluídas nos cinco anos seguintes.