Em 2020, mais de 43 mil indígenas do Brasil foram contaminados pela Covid-19 e pelo menos 900 morreram por complicações da doença. No mesmo ano, 182 indígenas foram assassinados e pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados foram alvos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio.
Os dados são do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, documento anual lançado nesta quinta-feira (28) pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O levantamento apresenta um panorama das diferentes formas de violências praticadas no último ano contra os povos indígenas em todo o país.
Dividida em três capítulos principais, a publicação sistematiza informações relacionadas à “violações de direitos territoriais”, como invasões das terras indígenas; “violência contra a pessoa”, como assassinatos e ameaças; e as “violações por omissão do poder público”, como desassistência nas áreas da saúde e da educação, mortalidade na infância e suicídios.
De acordo com o relatório, o ano de 2020 foi um ano trágico para os povos originários no país. O levantamento aponta que nem mesmo a crise sanitária provocada pela pandemia de coronavírus impediu que grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificassem as investidas sobre terras indígenas.
Conforme o documento, o segundo ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) representou “a continuidade e o aprofundamento de um cenário extremamente preocupante” em relação aos direitos, territórios e vidas dos povos indígenas.
Violência
Entre os tipos de violência contra indígenas que registraram maior aumento em 2020 estão os casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”; os “conflitos relativos a direitos territoriais” e os assassinatos de indígenas.
Em relação à invasões, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio, foram identificados 263 casos em 2020, apenas sete a mais que 2019, porém um número 137% maior que o registrado em 2018, ano anterior à chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto. No último ano de governo de Michel Temer (MDB), foram computados 111 casos de invasões e exploração ilegal de terras indígenas.
De acordo com o levantamento do Cimi, os invasores, em geral, são madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais, fazendeiros e grileiros em busca de madeira, ouro, minério e áreas para pastagens. O documento destaca que além de se apropriarem ilegalmente de recursos naturais e devastar rios e áreas de floresta, tais grupos ainda praticam atos de violência contra os povos originários e atuam como vetores do coronavírus, causando a morte de milhares de indígenas, sobretudo os mais velhos.
“Esses grupos e indivíduos atuam com a certeza da conivência – muitas vezes explícita – do governo, cuja atuação na área ambiental foi sintetizada pela célebre frase do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles: era preciso aproveitar a pandemia para “passar a boiada” da desregulamentação”, ressalta o texto do relatório.


território com uma lista de lideranças que iriam “morrer logo”. (Foto: Povo Pankararu)
A suposta cumplicidade do Governo Federal em relação às violações é apontada no relatório como fator determinante também para o aumento dos casos de “conflitos relativos a direitos territoriais”. De acordo com o levantamento, tais tipos de violações mais do que dobraram em relação ao ano anterior. Foram 96 casos em 2020, 174% a mais do que os 35 identificados em 2019.
Os dados do relatório ainda apontam para o aumento de 61% do número de assassinatos de indígenas no Brasil. Em 2020, 182 indígenas foram assassinados, enquanto em 2019 foram contabilizados 113 casos.
Índices
Assim como nas edições anteriores, o relatório de 2020 é dividido em três categorias: violência contra o patrimônio, violência contra a pessoa, e violência por omissão do poder público.
Na primeira categoria, foram registrados um total de 1.191 casos de violências contra o patrimônio dos povos indígenas. Entram nesta soma, os casos de: omissão e morosidade na regularização de terras (832); conflitos relativos a direitos territoriais (96); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (263).
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Na categoria “violência contra a pessoa” foram identificados 304 casos em 2020. Deste total, foram 14 casos de abuso de poder, 17 de ameaça de morte. 34 de ameaças várias, 182 assassinatos, 16 homicídios culposos, oito lesões corporais dolosas, 15 casos de racismo e discriminação étnico cultural, 13 tentativas de assassinato e 15 casos de violência sexual.
Conforme sublinha o relatório, a soma geral das categorias “violência contra a pessoa” e “violência contra o patrimônio” em 2020 foi a maior dos últimos cinco anos.
No mesmo período, os casos de “violência por omissão do poder público” registrados em 2020 só foram menores que os de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Destaca-se nesta categoria, os 110 suicídios de indígenas ocorridos no último ano e os 776 óbitos de crianças de 0 a 5 anos.
Segundo o Cimi, grande parte dos casos relatados nesta categoria está diretamente ligada ao contexto da pandemia e a falta de assistência do poder público.
“A falta de apoio para a instalação de barreiras sanitárias nas terras indígenas, a interrupção ou omissão no fornecimento de cestas básicas e de materiais de higiene, necessários para garantir condições básicas de proteção e prevenção contra a Covid-19, foram alguns dos casos recorrentes registrados neste capítulo”, destaca o documento.
Lançamento
O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil foi lançado em um evento virtual transmitido pelos canais e redes do Cimi e de organizações parceiras da causa indígena.
O lançamento contou com a participação da liderança do povo Macuxi da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, Ernestina Afonso de Souza e de Dário Vitório Kopenawa Yanomami, liderança do povo Yanomami e vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami (HAY).
Também participaram do evento o presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, o secretário-geral da CNBB, Dom Joel Portella, e o secretário executivo do Cimi, Antônio Eduardo Cerqueira.
A apresentação do relatório ficou por conta dos organizadores da publicação: a assessora antropológica do Cimi, Lucia Rangel, e o coordenador do Cimi Regional Sul, Roberto Liebgott.
Edição: Jaqueline Deister