No início de julho, um ano após ser apresentado no Congresso, o Projeto de Lei 2630/2020 – popularmente conhecido como “PL das Fake News” – voltou a ser discutido na Câmara dos Deputados. Por decisão do presidente da casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL), foi criado um grupo de trabalho especial para analisar a proposta e entregar um parecer em até 90 dias. Mais de 100 pessoas devem ser ouvidas pelo grupo em audiências públicas que estão previstas para a volta do recesso parlamentar.
Embora a retomada das discussões em torno do PL represente um passo importante para o enfrentamento à desinformação no país, as incertezas em torno dos rumos que o debate pode tomar tem preocupado setores e organizações ligadas à defesa da liberdade de expressão e dos direitos fundamentais dos usuários de Internet. A começar porque, ao longo dos meses em que a proposta ficou ‘congelada’, mais de 60 projetos de lei foram apensados ao projeto original adicionando questões que sequer foram analisadas pelo Senado e pela Câmara quando o PL 2630 passou pelas Casas, em maio e junho do ano passado.
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Além disso, as mudanças nos arranjos políticos dentro do legislativo desde a apresentação da proposta dificultam qualquer previsão de como serão retomados temas polêmicos como, por exemplo: a criação de um novo tipo penal para criminalizar condutas na internet, o estabelecimento de mecanismos de remuneração de empresas jornalísticas por parte das plataformas digitais, ou ainda a possibilidade de rastreamento em aplicativos de mensagem instantânea como o WhatsApp.
Diante dos riscos envolvidos na discussão em torno do PL, o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), órgão responsável por elaborar diretrizes para o uso e desenvolvimento da internet no país, emitiu uma nota oficial recomendando cautela.
Atento aos possíveis “reflexos nas atividades dos consumidores das redes sociais e serviços de mensageria privada”, o CGI sugere que o Congresso Nacional avalie as preocupações apresentadas por diferentes setores da sociedade brasileira para, assim, “garantir a aprovação de uma lei que estabeleça mecanismos efetivos para o enfrentamento à desinformação no país, sem gerar obstáculos desproporcionais ao desenvolvimento da inovação e o avanço da Internet no Brasil; e sem colocar em risco direitos fundamentais dos usuários de Internet”.
O Grupo de Trabalho destinado à analisar o PL das Fake News na Câmara é presidido pela deputada Bruna Furlan (PSDB-SP) e tem como relator o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
Moderação
Um dos pontos mais polêmicos quando se trata do combate às fake news se refere à possibilidade de moderação de conteúdo feito por redes sociais. De um lado existe a necessidade de frear o controle cada vez maior por parte das empresas privadas de tecnologia sobre o que é ou não permitido circular nas redes. Nesse sentido, o PL avança ao defender medidas como a notificação dos usuários em caso de moderação dos conteúdos pelas plataformas, o direito de apelação e a reparação por moderações abusivas. Medidas importantes para prevenir situações de cerceamento de discursos e conteúdos legítimos nas redes.
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Contudo, trata-se de uma regulamentação sensível, visto que a moderação realizada pelas próprias plataformas, além de ser considerada um dever ético, tem funcionado como recurso para dar respostas rápidas à disseminação de fake news e de discursos de ódio nas redes sociais. Inclusive, justamente por isso, desde maio a presidência da República tem ensaiado publicar um decreto que, em tese, altera as regras do Marco Civil da Internet (MCI) e impede que as plataformas moderem conteúdos sem ordem judicial – salvo exceções como casos de pedofilia, nudez ou apologia ao crime. Segundo especialistas, além de inconstitucional, a medida desvirtua por completo a lógica de autorização que rege o Marco Civil da Internet e, caso implementada, escancararia as portas para a prática de desinformação através das redes.
Suspensões
Só nesta quarta-feira (21), o Youtube removeu 15 videos do canal oficial do presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) na plataforma. Segundo comunicado da empresa, os conteúdos em questão violam as regras de conduta referentes à propagação de informações falsas sobre a pandemia da Covid-19.
Praticamente todos os videos retirados eram de transmissões ao vivo que o presidente faz semanalmente e foram publicados a partir de agosto de 2020. Nas gravações, Bolsonaro defendia o uso da cloroquina e da ivermectina no tratamento da Covid-19 – apesar da comprovação científica de ineficácia de ambos os medicamentos contra a doença – e assegurava que as máscaras não funcionam como forma de evitar a propagação do vírus. O único video diferente reproduzia uma entrevista da médica Nise Yamaguchi em que ela defendia a administração de hidroxicloroquina e ivermectina para tratamento de pacientes com Covid.
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Esta não foi a primeira vez que que o presidente teve publicações excluídas de redes sociais. Em março de 2020, o Twitter removeu dois videos em que Bolsonaro aparece na rua discursando em favor do uso de cloroquina e do fim das medidas de contenção dos estados.
Ainda este mês, o deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também teve uma publicação removida nas redes sociais. No caso, o parlamentar publicou no Facebook frases de ex-líder alemão Adolf Hitler. Todavia, a própria empresa assumiu nesta terça-feira (20) que “o post de Eduardo Bolsonaro foi removido indevidamente e já foi restaurado”.
Caso semelhante ocorreu com o canal bolsonarista “Terça Livre”. No dia 15 de julho o canal foi removido do Youtube por descumprir uma suspensão de uma semana, ocorrida em fevereiro. A suspensão foi motivada pela veiculação de um discurso do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que reclamava de ter sido banido do Twitter após perder as eleições. De acordo com a plataforma e com a 8ª Vara Cível da Comarca de São Paulo, o conteúdo publicado tinha o caráter de incitação à violência.
No entanto, nesta quarta-feira (21) o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou a reativação do canal no YouTube. Segundo a nova decisão, a medida de retirar a página do ar foi “desproporcional, violando a garantia constitucional da liberdade de expressão e de informação”.