Desde o início de março, organizações sociais, jornalistas, pesquisadores, artistas, políticos e ouvintes tem protestado contra a decisão do Governo Federal de extinguir a Rádio MEC AM e a Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Segundo informações do colunista do jornal O Globo, Lauro Jardim, a medida foi anunciada ainda em fevereiro pelo diretor-geral da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), coronel Roni Pinto. Caso a decisão seja confirmada, a previsão é de que as emissoras públicas sejam desligadas até o fim de março.
Em 2019, o governo Bolsonaro já havia ensaiado extinguir a MEC AM, mas recuou após pressão popular pela manutenção da emissora. A ameaça, todavia, retorna justamente em 2022, quando são comemorados os 100 anos da primeira transmissão oficial de rádio no Brasil.
Atualmente, a Rádio MEC na frequência 800 Mhz AM. Já a Rádio Nacional do Rio pode ser ouvida na frequência 1.130 Mhz AM e também, desde maio de 2021, no dial 87,1 Khz FM, dentro da chamada faixa estendida.
Em nota, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) repudiaram a proposta do Executivo e afirmaram que “a única explicação possível para a medida anunciada é a conhecida aversão do atual governo a tudo o que é público”.
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No mesmo sentido, a Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, o Comitê em Defesa das Rádios MEC e Nacional e a Frente Parlamentar pela Democratização da Comunicação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) lançaram um manifesto em que classificam a ameaça de desligamento das emissoras como um “novo ataque ao direito à informação e à comunicação de qualidade, sem interferência do mercado ou do Estado”.
No documento, as entidades reivindicam: a manutenção de ambas as emissoras AM em operação e com qualidade de áudio e potência até a conclusão da migração plena para a faixa FM; a migração da Rádio MEC AM RJ para o dial FM do Rio de Janeiro, conforme feito com a Nacional; a concessão de canais FM no dial de municípios do Norte e Sul fluminense para suprir a necessidade dos ouvintes das rádios; e a aprovação pela Alerj dos projetos de lei que registram as emissoras como Patrimônio Histórico e Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro.
De acordo com o manifesto, diante dos desafios tecnológicos impostos pelo Decreto 10.664/21, que estabelece o fim da frequência AM até o fim de 2023, é “imprescindível” que a EBC apresente à população um plano de migração das emissoras para o FM.
“Os ouvintes precisam ser consultados. Não existe comunicação pública sem participação e controle social. Desligar as emissoras vai gerar um apagão para quem as ouve”, afirma o documento.
Até o momento, o “Manifesto da sociedade civil pela permanência das emissoras públicas” conta com mais de 300 assinaturas de entidades, jornalistas, pesquisadores, artistas, parlamentares e ouvintes. A Associação Mundial das Rádios Comunitários (Amarc Brasil) é uma das organizações que compõem a lista.
Pioneirismo e pluralidade
Fundada em 1923, ainda como Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, a Rádio MEC AM é, hoje, a emissora mais antiga do país em atividade e não só mantém como também disponibiliza aos ouvintes um extenso e precioso acervo histórico. Além de programas culturais, infantis, infanto-juvenis e de divulgação científica, a MEC AM também se destaca por tocar segmentos musicais que não têm espaço em emissoras comerciais, como a ópera.
Segundo a Frente em Defesa da EBC e a Frente Parlamentar pela Democratização da Comunicação da Alerj, a simples transposição da programação da MEC AM para a MEC FM não resolveria o problema e poderia ainda piorá-lo. De acordo com as entidades, a medida descaracterizaria ambas as emissoras e poderia até acabar de vez com elas por não atender às especificidades dos respectivos públicos.
Em relação à Rádio Nacional do Rio de Janeiro, emissora responsável pela chamada Época de Ouro do Rádio no Brasil (1930-1950), as frentes políticas consideram insuficiente a solução dada pelo governo de migrar a rádio para a frequência 87,1 FM.
Primeiro porque a faixa estendida, além de funcionar ainda de modo experimental, é pouco conhecida pelos ouvintes e sequer pode ser sintonizada nos tradicionais aparelhos analógicos de rádio. Em seguida, porque, ao contrário da frequência AM, o referido dial tem alcance menor e restrito apenas à capital fluminense.
“Na prática, com o desligamento do parque de transmissão AM no Rio de Janeiro, as emissoras históricas simplesmente deixam de existir e abandonam os ouvintes no interior”, apontam as entidades.
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O manifesto em defesa das emissoras públicas também alerta sobre a intenção da EBC de unificar as cinco rádios que levam o nome de Nacional: a Rádio Nacional AM do Rio e de Brasília, a Rádio Nacional FM de Brasília, a Rádio Nacional da Amazônia OC e a Rádio Nacional do Alto Solimões, que opera em FM na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
O texto ressalta que tratam-se de “emissoras específicas, que cumprem uma função social extremamente importante, têm sotaques diferentes e falam das pessoas daquela região”. Segundo o documento, “o que está em curso é uma tentativa de uniformização e apagamento dos conteúdos múltiplos, distintos e diversos historicamente oferecidos à população brasileira pelas emissoras públicas de Rádio, hoje pertencentes à EBC”.